segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O coração aberto e a coragem de recomeçar

Enquanto eu sentava para escrever esta reportagem em minha timeline pulava uma notícia, um Senegalês teve o corpo incendiado e seus pertences roubados na cidade de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul. Uma barbárie causada por racismo e xenofobia, que foi perceptível assim que houve uma entrada mais expressiva de refugiados em regiões, como a Serra Gaúcha. Meu estado que foi formado por imigrantes europeus, não só acha que africanos e haitianos não tem o mesmo direito de imigrar como seus antepassados tiveram. Como acham que estes “novos” imigrantes não têm direito a vida.

Imediatamente me recordei de todas as cenas que venho acompanhando ao longo destes meses de produção desta reportagem de intolerância contra aqueles que caminham em busca de uma vida com dignidade. Vimos policiais na Hungria jogar comida para alto, como uma espécie de sorteio, para que os imigrantes comam como animais; a jornalista húngara que colocou o pé para que um pai com a criança no colo caísse e fosse capturado; famílias Sírias se jogando nos trilhos do trem para não serem presas; governos impedindo o acesso ao transporte coletivo a imigrantes; entre tantas outras cenas tristes.

Resgate do menino Aylan Kurdi por policiais turcos. Agência AP DH
A cena que virou símbolo de toda essa luta foi do menino sírio Aylan Kurdi. Com apenas três anos cruzou o mar com a sua família em um bote, assim como milhares de refugiados todos os dias, na península de Bodrum no sudeste da Turquia. Infelizmente Aylan, sua mãe e seu irmão não chegaram ao destino, pois morreram afogados. A foto do corpinho frágil de Aylan esticado na costa da península voou o mundo, nela um policial tomava nota em seu bloquinho antes de recolher o corpo. Uma cena de frieza, de translucidez do tamanho genocídio causado pelas portas da Europa se encontrarem fechadas.

Antes do resgate policiais tomam nota. Cena de frieza. Agência AP DH
A crise causada pelo intenso fluxo migratório no mundo trouxe ao século XXI um retrato de sua desumanidade.

 O Haiti é aqui

Um povo acostumado a lutar pela sua liberdade, pelo direito a sua terra e por paz. Assim tem sido a saga do povo haitiano desde a proclamação de sua república no início do século XIX. O líder Jean Jacques Desselines declarou a independência do Haiti e se autodeclarou imperador, em retaliação recebeu de europeus e estadunidenses 60 anos de embargo econômico. Contando durante esse período com a ajuda para resistir do libertador Simon Bolivar, que tinha entre os seus compromissos, ao libertar as Colônias Européias na América, alforriar os escravos negros.

O Haiti atravessou o século XX com sua soberania nacional ameaçada, com forte interferência dos Estados Unidos. Tendo como seu maior aliado o ditador François Duvalier, mais conhecido como Papa Doc que governou o país de 1957 até sua morte em 1971. Quando deixou seu filho, Baby Doc que conseguiu manter o sistema feroz até 1987.

Imperador Jean Jacques Desselines em 1804.
As Nações Unidas mantiveram durante os anos 1990 e início de 2000 muitas tentativas de “recuperar” a democracia no país, sempre com empenho central dos Estados Unidos. Em 2004 o Conselho de Segurança da ONU compreendeu que era necessário uma Força de Paz para auxiliar na estabilização do país.

Mas em 2010 um terremoto catastrófico atingiu o país, 85% das edificações em Porto Príncipe, capital do Haiti, foram destruídas ou duramente danificadas. Naquele ano o primeiro-ministro, Jean-Max Bellerive, estimou que tenham sido mais de 300 mil mortes e 400 mil pessoas desabrigadas.

É neste cenário que o povo Haitiano parte de sua terra. No Brasil os haitianos já chegam a ser mais de 39 mil abrigados, porém não são considerados refugiados. Segundo a lei brasileira, o refúgio só pode ser concedido a quem provar sofrer perseguição em seu país, por motivos étnicos, religiosos ou políticos. Porém, em razão da crise humanitária provocada pela catástrofe de 2010, o governo brasileiro abriu uma exceção, concedendo-lhes um visto diferenciado.

A esperança que vem do outro lado do Oceano

Os senegaleses vivenciam uma nova diáspora. A disputa dos países europeus pela colonização africana deixou uma herança de miséria, mortes, dissolução de tribos e destruição de países. O Senegal foi colonizado no século XIX pela França. Hoje a maioria esmagadora da população é formada por jovens, pois os adultos morreram na guerra. O mercado de trabalho tem pouca capacidade de absorção da mão de obra pela economia ser muito fraca.

Neste contexto a opção por migrar é uma opção de sobreviver.

Os senegaleses falam pouco de como foi seu percurso para chegar até o Brasil. Supõe que um dos roteiros principais inicia-se pelo Equador, pois o país não cobra visto para circulação. Outros optam por cruzar via Acre. Deixando sem dúvida bons valores com atravessadores.
Manifestação de Senegaleses no Centro de Porto Alegre/RS.


Sírios: maior nação de refugiados pelo Mundo

Segundo a ONU já chega a 4 milhões de refugiados Sírios pelo mundo. Hoje são a maior população deslocada de seu país.

Uma das rotas de fuga tem como seu ponto de partida a Turquia, por uma questão geográfica, de lá partem de forma ousada rumo a Europa. A adjetivação de ousadia é em decorrência de cruzarem em botes plásticos que partem diariamente a península de Brodrum, na Turquia, para ilha de Kos, na Grécia. Botes inseguros e superlotados de pessoas e esperança. Uma viagem de alto risco, já que o Mar Egeu afoga diariamente muitos sonhos em suas águas turvas. Assim como a história do menino Aylan Kurdi e sua família.

Segundo Mauren Montovani, da Frente de Solidariedade ao Povo Palestino, os palestinos que eram anteriormente a maior população refugiada do mundo também compõem os números Sírios. Já que muitos palestinos migraram para Síria e hoje são obrigados a migrar novamente.

Um dos conflitos mais sangrentos têm como seu protagonista o Estado Islâmico, um dos mais violentos grupos terroristas na atualidade. Surgido em 2013, hoje o Estado Islâmico tem atuação independente. Sua intenção é impor pela força o domínio sobre o território iraquiano e sírio.

Partidas de muitos territórios, identidades e culturas. Unidos em um só grito, o grito de esperança!

Ao contar um pouco da história destes países é possível perceber que apesar de histórias, trajetórias, e conflitos diferentes a motivação para migrar é a mesma. Buscar uma vida melhor, com paz e dignidade para sí e seus familiares.

No Brasil são 81 nacionalidades de refugiados, um quarto é formado por mulheres. Os sírios são o maior grupo entre os reconhecidos pela legislação brasileira como refugiados, representam 23% do montante que já ultrapassa 8.500 pessoas. Os dados são do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça.

O desafio de recomeçar, recomeçar sobre nova pátria, em outra cultura, se desafiando cotidianamente

Ao ouvir as histórias destes desbravadores do mundo achei que fosse ouvir muitas histórias tristes. Para mim, o sentimento de abandonar sua pátria, deixando sonhos, familiares e amigos, bens, entre tantas outras coisas, só poderia ser preenchido com forte frustração.

Porém o que ouvi foi muito diferente, vi a felicidade de poder recomeçar, vi a esperança de possibilitar a suas famílias uma vida melhor, enxerguei muita disposição de enfrentar qualquer desafio para seguir em frente.

Entre as histórias que mais me tocaram foi ao visitar um grupo de haitianos abrigados no Centro Vida, zona norte de Porto Alegre. Dormem em um ginásio, com pouca infraestrutura e trabalham em subempregos ligados a reciclagem e limpeza.
Grupo de Haitianos moradores do Centro Vida, zona norte da capital. Foto: Laura Sito


Alguns tinham migrado para outros países da América do Sul antes de chegar ao Brasil. Trabalhando em muitas funções, desde a construção civil até na prestação de serviços, pois qualquer trabalho era meio de transporte para levar ao sonho de poder se fixar em lugar seguro para recomeçar.

O jornalista Balan O. Junior foi quem mais me chamou a atenção. O haitiano trabalhava em uma emissora de televisão local. Era o único entre o grupo de haitianos que visitei que tinha uma profissão e curso superior. O trabalho que encontrou em Porto Alegre era empresa de serviços gerais, mas se você acha que o encontramos triste está enganado. Para ele aquela é uma condição temporária até conseguir o visto permanente para poder trabalhar em algo melhor e juntar dinheiro para trazer sua família.

O Caminho para a Europa, um acerto de contas histórico

A rota preferencial dos imigrantes tem como ponto de chegada a Europa. A Alemanha tem consigo 40% dos pedidos de asilo. Mesmo com muitos países precisando de mão de obra em áreas onde a população do país não tem interesse em trabalhar, a tensão é grande para o acolhimento dos refugiados.

Se estes países não tivessem ajudado a invadir e destruir países como o Iraque, Líbia, e a Síria; armando através de suas agências de espionagem terroristas que deram origem a grupos como Estado Islâmico, a fim de combater Kadafi e Bashar Al Assad, fomentado o engano da Primavera Árabe, a Europa não seria protagonista da maior crise humanitária deste século.

Os Estados Unidos, maior responsável neste período histórico pela existência de refugiados, afirmam preferir enviar dinheiro a acolher os grupos por medo de que tenham “terroristas” infiltrados. Refugiados estes que são resultado da “guerra ao terror” fomentada pelo país após o ataque as Torres Gêmeas.

A realidade é que os povos caminham em direção a aqueles que têm relação direta com a situação que seus países vivenciam. A exploração das riquezas destes países ocasionou tensões, guerras, miséria e destruição. A caminhada dos povos refugiados ao velho mundo tem um tom de acerto de contas histórico.

*Publicação para o jornal 3x4 da FABICO/UFRGS

domingo, 8 de novembro de 2015

Trabalho doméstico: a face hipócrita da classe média brasileira






Talvez estes olhos não sejam similares aos que lotaram as salas de cinema pelo Brasil. São olhos que já estiveram do outro lado da porta da copa.

Comer as sobras do almoço de quem é servido; deixar seus filhos em casa, muitas vezes sozinhos, para cuidar o filho de outra pessoa; viver em um pequeno quarto quente, enquanto todos os outros cômodos da casa têm ar-condicionado; estar vulnerável ao assédio; ser “como da família” sem ser; entre tantas outras situações constrangedoras. Esta é a realidade sentida diariamente na pele pelos mais de 6,4 milhões de empregados domésticos no Brasil, número segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A classe média brasileira foi para frente da telona, elogiou e criticou a diretora Anna Muylaert e a atriz e roteirista Regina Casé. Muitos artigos pularam em sua timeline falando sobre a incapacidade da classe média brasileira limpar sua própria sujeira. Do status social dado pela manutenção de uma trabalhadora doméstica em sua residência. Ou mesmo da perversidade da relação entre patrões e empregados domésticos. Mas quantas destas reflexões trouxeram mudanças nas vidas privadas?

A mensagem deixada pelo filme é uma provocação a parte de cima da pirâmide social do nosso país. A submissão provocada pelo trabalho doméstico é um resquício escravocrata muito cruel. Desumaniza o indivíduo, usurpando sua vida. Assim como nos permite questionar o modelo de trabalho dentro dos marcos de um estado democrático de direito. Pois aqui ainda vivemos onde cada um “nasce” com seu lugar destinado.

Minha felicidade é pertencer a uma geração que está reescrevendo esta história.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Era só mais um neguinho no ponto






Laura Sito
Estudante de Jornalismo UFRGS
Movimento Mudança
“...escolhe sempre o primeiro
negro pra passar na revista
pra passar na revista
todo camburão tem um pouco de navio negreiro...”
O Rappa


  Essa semana foi marcada por uma conjunção entre acontecimentos corriqueiros e excepcionais. O ápice foi à morte de um jovem negro com um tiro pelas costas que foi disparado por um policial militar. As circunstâncias ainda estão sendo investigadas. O crime ocorreu na Vila Buraco Quente, morro Santa Tereza, zona sul da capital. A indignação que tomou conta de sua comunidade fez este caso deixar o anonimato
  Vejo no meu dia a dia a realidade que naturaliza a morte violenta dos nossos jovens. Realidade que leva consigo os jovens negros como protagonistas de seus números em todo país.
Moro em uma comunidade da zona sul da capital, no bairro Cascata, uma região pobre e batalhadora que muito lutou para ter condições minimamente dignas com água potável, saneamento básico, transporte público e calçamento. Luta que permanece viva, hoje por mais vagas na educação infantil, escolas, por praças, espaços de lazer e paz. Nos últimos meses foram diversos os registros por aqui de homicídios de jovens. Quase que em seu absoluto por relação com o tráfico de drogas. Um ciclo vicioso de um ambiente onde os braços do Estado não chegam em sua plenitude.
  No Brasil de 2002 à 2011 o número de homicídios de jovens negros subiu de 79,9%, para 168,6%, segundo o Mapa da Violência de 2012; isso significa que a cada um jovem branco assinado, 2,7% jovens negros foram vítimas de homicídio. É disso que falamos quando afirmamos viver um estado de genocídio da juventude negra.
  O racismo é o cerne de nossa questão, provocando a partir dele diversas variáveis que compõe este cenário de genocídio da juventude negra. Associar a pobreza pura e simples não dá conta de conectar aos mecanismos de exclusão que o racismo produz. Pois brancos e negros, mesmo quando em condições economicamente similares, os negros aparecem em situação muito pior. Algo visível em alguns dados: 73% da população mais pobre é negra, 74,9% das pessoas analfabetas são negras, 62% das crianças fora da escola são negras, em média a renda dos negros é 40% menor que a dos brancos. O que acaba materializando que as desigualdades no país não podem ser vistas somente do prisma socioeconômico, mas também devem ser vista do prisma sociocultural e étnico-racial.
  O racismo institucional é uma mazela central deste nosso debate. A violência policial tem alvo certo nas periferias do Brasil, a cada 10 mortos por policiais, 7 são negros. Além da população negra “colorir” o sistema penitenciário, sendo negros 60% dos jovens presos; assim como no sistema socioeducativo.

  Portanto, não pode caber a nós o silêncio. Muitas são as possibilidades de medidas que podem combater o genocídio. Como por exemplo, dar fim aos autos de resistências, constituir uma nova política de drogas, reformulação das polícias e não reduzir a maioridade penal. Entre tantas outras ações que dever ocorrer concomitantemente. É preciso conter a morte dos nossos jovens, para reescrevermos a nossa história com mais dignidade e igualdade. Para isso é fundamental a responsabilização do Estado brasileiro, é preciso agir!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Convite


É necessário ousadia para inaugurar um novo ciclo de transformações sociais



Por Laura Sito e Guilherme Morlin

Em 10 de fevereiro de 1980 nasceu uma ferramenta capaz de dar voz a classe trabalhadora deste país, capaz de ser síntese dos anseios por democracia e igualdade. Nascimento chancelado nas lutas dos movimentos sociais, nas grandes greves, na luta por reforma agrária, na luta por vida digna na cidade.
Por onde governou, o Partido dos Trabalhadores fez gestões transformadoras e sua chegada à Presidência da República não poderia ter sido diferente. Ao longo dos seus 35 anos mudou radicalmente a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras deste país. Sem dúvidas somos até aqui um dos projetos de esquerda de maior sucesso na história.
Contudo, chegamos ao nosso quarto mandato à frente da Presidência da República com desafios grandiosos. Grandiosos frente ao nosso programa, à situação econômica e política do país e frente ao patrimônio político até aqui construído por nós.
Considerando as opções políticas do governo Dilma em sua composição, vemos tristes acenos aos setores conservadores em detrimento dos trabalhadores, tendo como maior símbolo a equipe econômica. Essas opções alimentam o sentimento de desconfiança daqueles que sustentaram nosso projeto nas ruas antes e, especialmente, durante as eleições.
Vivemos hoje um esgotamento do pacto político e econômico – o lulismo – que permitiu profundas transformações durante nossos três mandatos à frente da Presidência da Republica. A manutenção do pacto conservador realizado com o capital financeiro, retratado no tripé macroeconômico, e o curto horizonte estratégico do governo impediram a constituição de um novo modelo de crescimento com inclusão social. O estabelecimento de uma nova estratégia de desenvolvimento é cabal, pois no contexto de crise econômica internacional desapareceram as condições externas favoráveis que tornaram o lulismo possível.
O mercado interno ampliado pela ascendente classe trabalhadora e os incentivos fornecidos pelo governo sustentaram o nível de emprego, mas não geraram nova dinâmica de crescimento. O resultado já foi percebido nos últimos dois anos, seja pela estagnação dos rendimentos reais dos trabalhadores seja pelo arrefecimento do ritmo de queda da desigualdade. Esses indicadores, conquistas mais fundamentais do ciclo de governos populares, correm hoje grave risco de reversão.
As medidas econômicas conservadoras tomadas nesse início de mandato de Dilma não respondem a esses desafios, uma vez que aumentam o peso da carga tributária sobre os trabalhadores e a classe média, enquanto seguem preservando os mais ricos.
O resultado destas opções é cada vez mais sentido pelo conjunto da classe trabalhadora, à qual não são oferecidos os sinais necessários. Enquanto prioriza um ajuste “pró-mercado”, o governo se afasta do programa apresentado nas eleições e trai a confiança dos únicos dispostos a defender o governo em circunstâncias bem adversas – e na rua se preciso.
A eleição para mesa diretora da Câmara Federal foi um demonstrativo do fortalecimento das forças conservadoras e fisiológicas nas eleições de 2014. Assim como deverá servir como um alerta para a necessidade de se repensar a aliança que dá “sustentação” ao governo.
A vitória de Eduardo Cunha é um entrave para os avanços das reformas estruturantes do Estado brasileiro. A burguesia nacional, que teve grandes dificuldades de se organizar durante a última década, inaugura um novo período onde se apresenta organizada estrategicamente e consensuada entre seus pares, criando condições para pautar a agenda política do País.
Nessa conjuntura, não podemos permitir que um programa conservador capitalize a insatisfação da população ou se apresente como solução para seus anseios. Precisamos defender o programa político que empenhamos durante o processo eleitoral, confrontando a direita ideologicamente e, ao mesmo tempo, disputando os rumos do Governo Dilma.
É necessário acumular força, constituir uma frente de esquerda que aglutine forças políticas, sociais e culturais comprometidas com as reformas estruturantes do Estado brasileiro. Para isso, será crucial recuperar a capacidade de mobilização e de diálogo com novas pautas da população. Além disso, nosso discurso e prática devem reforçar os elementos de reformismo radical, que são oportunos ao período de crise.
Para isso, o 5º Congresso do PT será um momento especial, pois é fundamental que se debata a atualização de nossa estratégia e se repense as estruturas deste partido. É urgente o processo de desburocratização para que nos abramos para as formas novas e tradicionais de organização, garantindo a oxigenação necessária para enfrentar os desafios colocados a nossa história.
Temos pouco tempo e uma oportunidade histórica.

Laura Sito é membro da Executiva PT/RS e Diretório Nacional do PT, Graduanda de Jornalismo UFRGS
Guilherme Morlin é Mestrando em Economia pelo IE/UFRJ

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Assumir nossos crespos e afirmar a nossa identidade



 
O processo chamado de "transição capilar" refere-se a decisão de abandonar os processos químicos e deixar o cabelo crescer naturalmente. Pode ser um processo gradual ou radical, que é quando opta-se por cortar toda parte com química do cabelo.
Nós, mulheres negras, crescemos fora dos padrões de beleza valorizados no conjunto da sociedade. Nosso cabelo é descrito como "ruim", os traços do nosso rosto são tidos como feio e sobre o nosso corpo não preciso nem falar. Portanto, assumir nossa negritude é um ato político de valorização da nossa identidade, cultura e disputa dos padrões de beleza estabelecidos.
Obviamente isto não é novo, o movimento "Black Power" nasceu nos anos 60 nos Estados Unidos como um movimento de afirmação da cultura negra. De lá pra cá muita coisa mudou, mas as estruturas racializadas na sociedade permanecem iguais.
Fazia algum tempo que eu queria passar por este processo, mas sempre optava por continuar com os produtos químicos para que pudessem deixar meu cabelo com um melhor crescimento e aspecto. Até me dar conta que é um ciclo vicioso, tratar quimicamente, dar fragilidade aos fios e resultar em quebras. Nos últimos meses fiz a opção de cortar toda a parte com química e deixar os cabelos crescerem naturalmente. Não é um processo fácil, é necessário ter paciência com o tempo até que o cabelo possa estar com um tamanho satisfatório.
O sentimento que mais nutro neste processo é a sensação de liberdade, de poder assumir os fios e com eles  afirmar minha cultura e minha identidade!
Deixo aqui um poema da grande poetisa peruana Victoria Santa Cruz, "Me gritaron negra!", um poema que mostra a perversidade do racismo transformada em afirmação da identidade:


Me gritaram negra!

Tinha sete anos apenas,
apenas sete anos,
Como sete anos?!
Não chegava nem a cinco!

De repente umas vozes na rua
me gritaram negra!

Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
"Sou por acaso negra?" - me disse
SIM!
"O que é isso, ser negra?"
Negra!
Eu não conhecia a verdade triste que isso ocultava.
Negra!
E me senti negra,
Negra!
Como eles diziam
Negra!
E retrocedi
Negra!
Como eles queriam
Negra!
E odiei meus cabelos e meus grossos lábios
e olhei apequenada minha carne tostada
E retrocedi
Negra!
E retrocedi...
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
E passava o tempo,
e sempre amargurada
Continuava carregando às costas
minha carga pesarosa
E como pesava!
Alisei meu cabelo,
pus pó-de-arroz na cara,
e em minhas entranhas retumbava a mesma palavra
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Até que um dia em que retrocedia, retrocedia e estava
           [ prestes a cair

Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!


E daí?
E daí?

Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Sou negra!

De hoje em diante não quero
alisar meu cabelo
Não quero
E vou rir daqueles
que para evitar - segundo eles -
que para evitarmos algum dissabor
Chamam os negros de gente de cor
E de que cor?!
NEGRO

E como soa lindo!
NEGRO
E olha esse ritmo!

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO

Por fim
Por fim compreendi
POR FIM
Ja não retrocedo
POR FIM
Avanço segura
POR FIM
E bendigo os céus porque quis Deus
que negro retinto fosse minha cor
E agora compreendi
POR FIM
Tenho a chave!

NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
Negra sou!